A Gema da Realidade talvez seja a com menos visibilidade no Universo da Marvel. Sua primeira aparição foi o grande marco por trás de um dos filmes menos queridos do estúdio. Um de seus “mundos sombrios”, pode-se dizer. “Thor: O Mundo Sombrio” (“Thor: The Dark World”, 2013) não está entre as top 10 produções mais memoráveis da Marvel, mas é a trama responsável por apresentar a terceira gema a aparecer nos cinemas.
E mesmo na história em que deveria ser o foco, ela foi apenas a lenda ao redor da qual a trama se desenvolveu. Tanto aconteceu em torno dela, que seu brilho foi ofuscado e seus poderes não foram tão explorados quanto poderiam ter sido. Quando ela volta a aparecer, já está reunida com outras gemas e tudo está acontecendo rápido demais para que ela chame a devida atenção.
De forma simplificada, seu poder é o de alterar a realidade a nível visual e físico. Já a vimos criando ilusões que trouxeram um planeta destruído de volta a seus tempos de glória e transformando lasers em bolhas de sabão. É uma das singularidades mais poderosas, entre as seis pedras de poder inigualável.
De forma oposta, a realidade (ou melhor, o mundo real) é muito presente nas obras, sempre vibrando, ainda que muitas vezes em frequências sutis.
Ela está na física e na química por trás de armaduras hightech, em aceleradores de partículas construídos na garagem de um bilionário ou em planos alucinantes de assaltos no tempo.
Está também na preocupação ambiental por trás de um gerador autossuficiente e não poluente com capacidade para ajudar uma joia do infinito a abrir um portal para o outro lado do espaço.
Está na construção detalhada e rica de uma civilização super avançada, que apesar de não existir no mundo real e ser construída em uma montanha de um metal igualmente inexistente, foi baseada em várias culturas e estilos de vida completamente reais.
Está na dor, na perda e no luto que leva uma feiticeira muito poderosa a reinventar sua própria realidade, sem que ela mesma se desse conta do que estava fazendo. Apenas para deixar de se sentir sozinha.
Está na triste situação de milhares de famílias em todo o mundo que, apesar de precisarem, não têm qualquer ajuda do sistema ou da política. Que não se sentem representadas, acudidas ou importantes.
Está na batalha interna de um homem negro em aceitar ou não um manto que representa um país historicamente racista e que, por mais de uma vez, foi injusto com ele, seja pela cor de sua pele ou pela condição financeira de sua família.
Está na filosofia responsável por dar base para que a magia se desenvolvesse de forma crível e cabível.
E está em tantos outros grandes e pequenos momentos, histórias, invenções, personagens e mesmo nas lutas cheias de efeitos especiais. Algumas vezes é preciso gastar alguns minutos procurando, se interessar em aprofundar uma certa curiosidade ou mesmo misturar os filmes a outros tópicos, outras vezes está obvia e descarada, exposta ali para qualquer um ver ou ouvir.
															Armaduras (“Homem de Ferro 3”, 2013)
Reprodução de: Heróis X
Instalação do “Reator Arc” (“Vingadores”, 2012)
Reprodução de: Canal Casinoer
Acelerador de partículas (“Homem de Ferro 2″, 2011)
Reprodução de: Quest Garden
Wakanda (“Pantera Negra”, 2018)
Reprodução de: Casa Cor
Empréstimo negado (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)
Reprodução de: Observatório do Cinema – UOL
De qualquer forma, independente de como aparecem ou a que fazem referência, listar todo e cada momento em que um tópico da realidade foi acrescentado, de forma fidedigna ou não, a um filme da Marvel levaria muito tempo, seja escrevendo ou lendo. Entretanto, alguns exemplos de como o real pode ser inserido na ficção não fazem mal, ainda que os escolher tenha sido uma luta por si só.
Entre as dezenas de filmes, personagens, momentos e histórias, escolher alguns poucos pontos específicos para analisar e comentar não é simples, ainda sim se entende que é necessário. No que se trata de filmes de entretenimento, sua inferioridade frente a outros tipos de produção cinematográfica é, de certa forma, senso comum.
Que filho nunca ouviu uma reclamação da mãe que segue os modelos: “você fica vendo essas porcarias…”, “fica perdendo tempo com isso…” ou ainda “o que isso vai te acrescentar na vida?”. Que universitário nunca se viu em uma conversa na qual blockbusters foram descritos, ainda que não exatamente com essas palavras, como sendo apenas: filmes produzidos em uma mesma caixinha, atendendo a um formato pensado para gerar lucro e alienar as massas?
Ir contra uma lógica tão fortificada requer esforço, nem que seja apenas uma pequena amostra. O suficiente para levar alguém a começar a pensar sobre isso, para tanto foram selecionados cinco exemplos que serão melhor desenvolvidos nas abas que estão um pouco adiante nesta página:
Três são sobre a ciência (seja ela humana, social ou exata) na ficção: a Física Quântica por trás da viagem no tempo em “Vingadores: Ultimato” (“Avengers: Endgame”, 2019), a teorias da Psicologia por trás das emoções da Wanda em “Wanda e Visão” (“WandaVision”, 2020) e a representação do problema filosófico “Mente-Corpo” em “Doutor Estanho” (“Doctor Strange”, 2016).
															Viagem no tempo (“Vingadores: Ultimato”, 2019)
Reprodução de: Marvel 616
Mercúrio de “X-Men” em “Wanda Vision” (2020)
Reprodução de: Legião dos Heróis
Projeção astral (“Doutor Estranho”, 2016)
Reprodução de: Volta ao Supremo
E os outros dois sobre a sociedade em que vivemos: a metáfora política em (“Capitain America: Civil War”, 2016) e a luta anti-racista que enfrentamos em pleno século XXI que está presente tanto em “Pantera Negra” (“Black Phanter”, 2018) quanto em “Falcão e o Soldado Invernal”.
															Acordos de Sokovia (“Capitão América: Guerra Civil”, 2016)
Reprodução de: Marvel Cinematic Universe
Sam Wilson com o escudo (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)
Reprodução de: Amino App
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].” (Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].”
(Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								Alguns heróis e heroínas apresentados na Fase 4 do UCM:
Yelena Belova (nova Viúva Negra) – Reprodução de: Trecobox; Sam Wilson (novo Capitão América) – Reprodução de: Cine POP
Shang Chi – Reprodução de: Disney Plus Brasil; Kate Bishop (nova Gaviã Arqueira) – Reprodução de: Terra
Steven Grant/Marc Spector (Cavaleiro da Lua) – Reprodução de: CNN Brasil; Layla El-Faouly (Escaravelho Escarlate) – Reprodução de: Omelete;
América Chavez – Reprodução de: Universo Heroico; Kamala Khan (Ms. Marvel) – Reprodução de: Portal POPline;
Jane Foster (Poderosa Thor) – Reprodução de: Marvel 616; Jennifer Walters (Mulher Hulk) – Reprodução de: Tribuna Hoje;
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].” (Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].”
(Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								Alguns heróis e heroínas apresentados na Fase 4 do UCM:
Yelena Belova (nova Viúva Negra) – Reprodução de: Trecobox; Sam Wilson (novo Capitão América) – Reprodução de: Cine POP
Shang Chi – Reprodução de: Disney Plus Brasil; Kate Bishop (nova Gaviã Arqueira) – Reprodução de: Terra
Steven Grant/Marc Spector (Cavaleiro da Lua) – Reprodução de: CNN Brasil; Layla El-Faouly (Escaravelho Escarlate) – Reprodução de: Omelete;
América Chavez – Reprodução de: Universo Heroico; Kamala Khan (Ms. Marvel) – Reprodução de: Portal POPline;
Jane Foster (Poderosa Thor) – Reprodução de: Marvel 616; Jennifer Walters (Mulher Hulk) – Reprodução de: Tribuna Hoje;
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Nessa linha, seguem outras dezenas de exemplos que, apesar de não serem óbvios em um primeiro instante, são “pescados” nas redes do subconsciente. Também se tornam algo maior e mais estruturado a cada vez que o filme é revisto e a cada entrevista, reportagem ou documentário que aparece no decorrer da vida. Talvez nenhum conhecimento social, científico ou de qualquer outra natureza seja concreto ou totalmente verossímil dentro das telas, mas todos eles fazem refletir o mundo real através do mundo dos heróis.
O professor de história Arthur Gibson Pereira Pinto adere a está ideia. Foi difícil encaixá-lo, já que sua vida, suas produções acadêmicas e suas ideias se enquadram tão bem aqui quanto em Mente, mas no fim, pareceu ideal colocá-lo aqui. Ele não apenas vê a realidade (ou sua ausência) nos filmes, mas também vê as possibilidades por trás dela.
Dar aulas lhe rendeu uma intrínseca conexão com o mundo POP, o mundo de seus alunos. Consequentemente, a Marvel se tornou parte de seu cotidiano, retornando um hábito de sua infância, o incrementando e transformando para encaixá-lo não a sua vida, mas a sua didática.
De acordo com ele, o método consegue engajar seus alunos ao currículo da matéria que leciona e isso criou algo novo. No vídeo a seguir está a entrevista completa:
Tanto onde existe realidade quanto onde não existe, seja nas batalhas diárias dos humanos por trás dos heróis, seja nas fantasias e nos grandes vilões ou mesmo em comparativos que são feitos sem que sequer se note, há inspiração.
A JORNADA CONTINUA EM
A Gema da Realidade talvez seja a com menos visibilidade no Universo da Marvel. Sua primeira aparição foi o grande marco por trás de um dos filmes menos queridos do estúdio. Um de seus “mundos sombrios”, pode-se dizer. “Thor: O Mundo Sombrio” (“Thor: The Dark World”, 2013) não está entre as top 10 produções mais memoráveis da Marvel, mas é a trama responsável por apresentar a terceira gema a aparecer nos cinemas.
E mesmo na história em que deveria ser o foco, ela foi apenas a lenda ao redor da qual a trama se desenvolveu. Tanto aconteceu em torno dela, que seu brilho foi ofuscado e seus poderes não foram tão explorados quanto poderiam ter sido. Quando ela volta a aparecer, já está reunida com outras gemas e tudo está acontecendo rápido demais para que ela chame a devida atenção.
De forma simplificada, seu poder é o de alterar a realidade a nível visual e físico. Já a vimos criando ilusões que trouxeram um planeta destruído de volta a seus tempos de glória e transformando lasers em bolhas de sabão. É uma das singularidades mais poderosas, entre as seis pedras de poder inigualável.
De forma oposta, a realidade (ou melhor, o mundo real) é muito presente nas obras, sempre vibrando, ainda que muitas vezes em frequências sutis. Ela está na física e na química por trás de armaduras hightech, em aceleradores de partículas construídos na garagem de um bilionário ou em planos alucinantes de assaltos no tempo.
															Armaduras (“Homem de Ferro 3”, 2013) Reprodução de: Heróis X
Acelerador de partículas (“Homem de Ferro 2″, 2011) Reprodução de: Quest Garden
Na preocupação ambiental por trás de um gerador autossuficiente e não poluente com capacidade para ajudar uma joia do infinito a abrir um portal para o outro lado do espaço.
															Instalação do “Reator Arc” (“Vingadores”, 2012) Reprodução de: Canal Casinoer
Na construção detalhada e rica de uma civilização super avançada, que apesar de não existir no mundo real e ser construída em uma montanha de um metal igualmente inexistente, foi baseada em várias culturas e estilos de vida completamente reais.
															Wakanda (“Pantera Negra”, 2018)
Reprodução de: Casa Cor
Na dor, na perda e no luto que leva uma feiticeira muito poderosa a reinventar sua própria realidade, sem que ela mesma se desse conta do que estava fazendo. Apenas para deixar de se sentir sozinha.
Na triste situação de milhares de famílias em todo o mundo que, apesar de precisarem, não têm qualquer ajuda do sistema ou da política. Que não se sentem representadas, acudidas ou importantes.
Está na batalha interna de um homem negro em aceitar ou não um manto que representa um país historicamente racista e que, por mais de uma vez, foi injusto com ele, seja pela cor de sua pele ou pela condição financeira de sua família.
															Empréstimo negado (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)
Reprodução de: Observatório do Cinema – UOL
Na filosofia responsável por dar base para que a magia se desenvolvesse de forma crível e cabível.
Também está em tantos outros grandes e pequenos momentos, histórias, invenções, personagens e mesmo nas lutas cheias de efeitos especiais. Algumas vezes é preciso gastar alguns minutos procurando, se interessar em aprofundar uma certa curiosidade ou mesmo misturar os filmes a outros tópicos, outras vezes está obvia e descarada, exposta ali para qualquer um ver ou ouvir.
De qualquer forma, independente de como aparecem ou a que fazem referência, listar todo e cada momento em que um tópico da realidade foi acrescentado, de forma fidedigna ou não, a um filme da Marvel levaria muito tempo, seja escrevendo ou lendo. Entretanto, alguns exemplos de como o real pode ser inserido na ficção não fazem mal, ainda que os escolher tenha sido uma luta por si só.
Entre as dezenas de filmes, personagens, momentos e histórias, escolher alguns poucos pontos específicos para analisar e comentar não é simples, ainda sim se entende que é necessário. No que se trata de filmes de entretenimento, sua inferioridade frente a outros tipos de produção cinematográfica é, de certa forma, senso comum.
Que filho nunca ouviu uma reclamação da mãe que segue os modelos: “você fica vendo essas porcarias…”, “fica perdendo tempo com isso…” ou ainda “o que isso vai te acrescentar na vida?”. Que universitário nunca se viu em uma conversa na qual blockbusters foram descritos, ainda que não exatamente com essas palavras, como sendo apenas: filmes produzidos em uma mesma caixinha, atendendo a um formato pensado para gerar lucro e alienar as massas?
Ir contra uma lógica tão fortificada requer esforço, nem que seja apenas uma pequena amostra. O suficiente para levar alguém a começar a pensar sobre isso, para tanto foram selecionados cinco exemplos que serão melhor desenvolvidos nas abas que estão um pouco adiante nesta página:
Três são sobre a ciência (seja ela humana, social ou exata) na ficção: a Física Quântica por trás da viagem no tempo em “Vingadores: Ultimato” (“Avengers: Endgame”, 2019), a teorias da Psicologia por trás das emoções da Wanda em “Wanda e Visão” (“WandaVision”, 2020) e a representação do problema filosófico “Mente-Corpo” em “Doutor Estanho” (“Doctor Strange”, 2016).
															Viagem no tempo (“Vingadores: Ultimato”, 2019)
Reprodução de: Marvel 616
Mercúrio de “X-Men” em “Wanda Vision” (2020)
Reprodução de: Legião dos Heróis
Projeção astral (“Doutor Estranho”, 2016)
Reprodução de: Volta ao Supremo
E os outros dois sobre a sociedade em que vivemos: a metáfora política em (“Capitain America: Civil War”, 2016) e a luta anti-racista que enfrentamos em pleno século XXI que está presente tanto em “Pantera Negra” (“Black Phanter”, 2018) quanto em “Falcão e o Soldado Invernal”.
															Acordos de Sokovia (“Capitão América: Guerra Civil”, 2016)
Reprodução de: Marvel Cinematic Universe
Sam Wilson com o escudo (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021) Reprodução de: Amino App
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].” (Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].”
(Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								Alguns heróis e heroínas apresentados na Fase 4 do UCM:
Yelena Belova (nova Viúva Negra) – Reprodução de: Trecobox; Sam Wilson (novo Capitão América) – Reprodução de: Cine POP
Shang Chi – Reprodução de: Disney Plus Brasil; Kate Bishop (nova Gaviã Arqueira) – Reprodução de: Terra
Steven Grant/Marc Spector (Cavaleiro da Lua) – Reprodução de: CNN Brasil; Layla El-Faouly (Escaravelho Escarlate) – Reprodução de: Omelete;
América Chavez – Reprodução de: Universo Heroico; Kamala Khan (Ms. Marvel) – Reprodução de: Portal POPline;
Jane Foster (Poderosa Thor) – Reprodução de: Marvel 616; Jennifer Walters (Mulher Hulk) – Reprodução de: Tribuna Hoje;
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].” (Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
															Para fazer valer os exemplos, se faz importante mencionar a existência do “Science and Entertainment Exchange” (Intercâmbio de Ciência e Entretenimento, em tradução livre). Em poucas palavras, é um programa criado pela National Academy of Sciences (NAS; Academia Nacional de Ciências), com o propósito de conectar os estúdios de cinema com cientistas, engenheiros e acadêmicos e proporcionar uma simplificação da realidade para a ficção.
A importância de citar essa empreitada, e outras de seu tipo, está no fato de os filmes da Marvel, e não apenas eles, terem vários exemplos de momentos que ela essa conexão deu certo. Particularmente essa iniciativa está presente desde a primeira até a atual fase do UCM, começando por “Thor” (“Thor”, 2011).
Alguns nomes se repetem e chamam cada vez mais atenção na ficha técnica dos filmes. Eles são conselheiros e consultores não só científicos, mas históricos, militares, policiais, psicológicos e de muitas outras áreas, que participam nos momentos mais inusitados.
Entre os muitos nomes da ciência, no que Clifford Johson chamou de “discagem rápida” da Marvel, esses são os que impactaram de forma particularmente profunda nos exemplos anteriormente citados. Nas duas primeiras imagens temos os homens que ajudaram a construir o cenário de viagem no tempo, que foi a coluna de sustentação de Ultimato, com base na física real, e na última o astrofísico responsável pela filosofia que deu vida à Magia de Steven Strange.
“Estou sempre procurando oportunidades em que possa ajudá-los a contar a história […].”
(Johnson para a IndieWire)
A equipe de psicólogos que ajudou a construir o enredo de “WandaVision” não teve nomes divulgados, mas seu trabalho foi comentado e explicado pela produtora da série em mais de uma entrevista de divulgação.
Mas, vamos desacelerar. Quando se fala que um filme teve um conselheiro, independente de em qual área, isso tem vários significados. A participação de um especialista pode acontecer em qualquer etapa de produção. Porém, com a lista de exemplos escolhidos o foco sugerido é a pré-produção. Quando a equipe de roteiristas se junta para começar a escrever o texto que dará o primeiro passo a caminho do que se vê nas telas gigantes das salas de cinema.
É lá que, em conversas entre eles e com físicos, psicólogos, sociólogos, geógrafos e outros estudiosos, profissionais e pesquisadores, a realidade se infiltra na ficção. Muitas vezes, é realmente um “bate-papo”, um grupo de pessoas se senta ao redor de uma mesa, alguns falam o que estão pensando, o que imaginam, o que querem incorporar ao filme e outros falam como as teorias se enquadram naquilo, como poderia ser o mais real possível.
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Professore Bruno Rinaldi explica a Física Quantíca em “Vingadores: Ultimato”Reprodução: ProEnem – Enem 2021
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
Foi esse o caso em “Ultimato”. Tanto Carroll quanto Johnson estiveram, ainda que em momentos diferentes, sentados na frente dos escritores do filme, dispondo sobre as regras da física e da lógica que regeriam o que, no caso, veio a ser a viagem no tempo. Seja dissertando sobre formas como a volta ao passado poderia acontecer ou suas implicações, ambos deram suas perspectivas profissionais e, no fim, viram seus esforços ganhando tempo na tela.
Segundo Carroll, em algum momento de sua conversa ele comentou a respeito da ausência de teoria física em “De Volta para o Futuro” (“Back to the Future”, 1985) e no paradoxo do avô, que rege a trama e isso inspirou uma das frases do personagem Scott Lang (Homem Formiga): “Você está me dizendo que De Volta para o Futuro é uma mentira…?”.
“Eu tentei mostrar que nas versões mais simples e logicamente respeitáveis de viagem no tempo, você não pode voltar e realmente mudar o que aconteceu no passado – e eles mais ou menos se apegaram a isso.”
(Carroll para a Stuff)
Não podemos esquecer que essa fala vem acompanhada de uma longa conversa explicativa sobre como o “Assalto no Tempo” se daria:
Como já explicado, nem tudo é verdade. Isso é a realidade, sim, porém aumentada, um tanto distorcida e mesmo distante de nós, seja por tecnologia ou possibilidade. Nas salas de aula de cursos de física, o mesmo cientista que explicou para os roteiristas que viajar para o passado não altera o futuro, também diz que viajar para o passado é impossível: “Não só não temos ideia se a viagem no tempo para o passado é possível, como toda a física que entendemos atualmente sugere que é impossível […]. Viajar para o passado é ficção científica, mas meu trabalho era torná-lo crível no filme.” (Johnson para a IndieWire).
Se conceber a viagem no tempo, e isso com base na teoria da relatividade de Einstein, então está concebendo uma viagem ao futuro. Isso porque quando se pensa em tempo, não se pode deixar de pensar em espaço. Segundo uma matéria da Super Interessante sobre a dita teoria, o tempo passa mais devagar para quem está em movimento do que para quem está parado e, quanto maior a diferença de velocidades, maior o impacto que isso tempo sobre o mundo ao redor.
Quando uma pessoa se move muito mais rápido do que as pessoas ou coisas ao redor, como na velocidade da luz, por exemplo, o mundo se torna mais rápido, mudando a percepção e o posicionamento temporal do indivíduo. É o que acontece com o Flash em “Liga da Justiça de Zack Snyder” (“Justice League: the Snyder cut”, 2021) – é outro estúdio, mas o conceito segue o mesmo -, ainda que no filme ele tenha ido para o passado. Na física real, o dito cujo estaria, em relativo ao que acontece a sua volta, no futuro. Complicado, não é? E bastante longe do foco deste texto, por sinal.
Voltando à Marvel, pode-se entender, através do que foi dito e trabalhado pelos dois físicos citados acima, que o estúdio acertou em fugir do comum quadro onde mexer com o passado altera o presente, mas erraram ao voltar no tempo. Mas esses não foram os únicos pontos científicos tratados no filme, eles também falam da mecânica quântica, do mundo quântico e os dois tópicos se relacionam já que, no filme em questão, viajar através do tempo só foi possível através do reino quântico.
															Tema frequente desde “Homem Formiga” (“Ant Men”, 2015), a física quântica é, nas palavras Bruno Vaiano, “o ramo da ciência que descreve o funcionamento do mundo em escala microscópica”. Estamos falando de nível subatômico, ou seja, menores do que o menor ser vivo, como vemos em “Homem Formiga e Vespa” (“Ant Men and the Wasp”, 2018), e menores que um átomo (que, por muito tempo, foi tido pela ciência como a menor coisa existente, algo incapaz de se tornar menor).
Umas das teorias que rege o estudo desse campo é que, como muito bem escreveu Aylin Woodward, “partículas minúsculas como elétrons podem estar em muitos lugares ao mesmo tempo” e com “lugares” também se entende “momentos na linha do tempo”. E tudo isso varia com cálculos de probabilidade: quais as chances de aquela particular estar naquele lugar e naquele tempo e o que aconteceria se não estivesse?
Reconheceu o conceito de Multiverso do UCM? Porque a anciã sim: o que aconteceria com um universo se uma (ou várias) das joias do infinito fosse removida dele? Nada é definitivo: o passado é o que se lembra dele e o futuro é o que se faz dele, são as escolhas feitas e o caminho seguido. Cada mudança gera uma ramificação com potencial para gerar um novo universo e, consequentemente, um multiverso.
															
Cena de “Loki” – Inicio do Multiverso Reprodução: Guia Disney Plus Brasil 
Uma forma mais especifica de se explicar as multiplas realidades do Marvel Studios é a apresentada em “Loki” (2021): “As vezes, pessoas como você [Loki] desviam do caminho que os Guardiões do Tempo criaram, chamamos elas de variantes. […] sair do seu caminho causou um evento NEXUS que, se ninguém fizer nada, pode se ramificar loucamente.” (Senhorita Minutos)
No vídeo a seguir, um professor traz uma explicação mais didática da física envolvida, relacionando-a ao filme. É uma perspectiva mais próxima à ciência e mais distante do filme, mas também é uma forma de mostrar o que está, de fato, representado ali e um exemplo de como a ficção pode trazer à tona discussões que vão muito além do tempo de duração dos longas.
Claro, tudo isso é puramente teórico. Nada pode ser provado ainda, mas já há leis formuladas para entender esses processos e torná-los mais assimiláveis para a atual realidade científica e tecnológica. O ponto aqui é que os escritores, diretores e produtores da Marvel tentaram e conseguiram assimilar em seus filmes o que é possível, pegando teorias supercomplexas e, de certa forma, transformando-as em algo mais consumível para o público, mesmo tendo que se desprender da física em alguns momentos.
Uma das coisas mais importantes a se lembrar é que mesmo quando a ciência é deixada de lado, a lógica permanece. É o que Carroll tem como mais importante no seu trabalho. Em mais de uma entrevista, o físico deixa claro que sua maior preocupação não é garantir uma ciência exata em filmes de ficção, esperar isso seria frustrante, mas garantir que o espírito da ciência e, mais importante, a lógica, esteja presente.
Johnson completa o raciocínio, “quando você está construindo um universo como escritor ou cineasta, posso ajudá-lo a construir essas regras. Eles serão diferentes, mas inspirados nas regras que temos aqui”. Muitas vezes, o trabalho dele, e de outros como ele, não é cobrar a ciência, mas tornar a fantasia a mais próxima da realidade possível. E, muitas vezes, isso tem mais impacto do que se imagina:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: El Ⓐnarko; rayane; Reinaldo F Cristo; princesa estella; fili
															A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
															Parte do poster de “Wanda Vision”Reprodução: Escotilha
A ficção sempre será a ficção, no entanto sem um bom alicerce, nenhuma construção se firma. Há certas coisas que, mesmo que sejam possíveis sem ajuda, se tornam melhores e mais sólidas quando há alguma. E esse é o caso de WandaVision. Eles não tinham a obrigação ou necessidade de colocar o drama psicológico da protagonista de forma tão profunda quanto fizeram, mas isso deu uma perspectiva totalmente diferente à obra.
Um exemplo claro, também o mais comentado pela produção nas entrevistas de divulgação, foi a aparição de Evan Peters como o personagem Mercúrio. O ator já havia interpretado o personagem, mas no universo dos X-Men da Fox (que, apesar de pertencer a Marvel Comics e ter tido apoio do Marvel Studios, nunca fez parte do UCM).
A presença dele, pouco depois da compra da Fox pela Disney, fez muitos fãs pensarem que finalmente os X-Men estariam no mesmo caminho que os Vingadores. Infelizmente para esses mesmos fãs, não era nada disso. O que realmente aconteceu foi uma representação gráfica de uma experiência psicológica comum onde, com o tempo, o rosto das pessoas que amamos e perdemos, se torna embaçado em nossas mentes.

“A ansiedade de muitas vezes não se lembrar dos rostos, se lembrar vagamente, ou se lembrar ativamente das coisas como uma tática de autopreservação — tudo isso se tornou fascinante para nós, e pensamos que ao trazer Evan (Peters) no papel, teria esse efeito em Wanda.”
Jac Schaeffer, Produtora Principal de Wanda Vision
Reprodução da fala de: O Vício
Reprodução da imagem de: Torre de Vigilância
Para trazer um pouco mais da perspectiva psicológica e da realidade que foi costurada a trama e ao desenvolvimento da Feiticeira Escarlate, a Drª. Magda Tartarotti, psicóloga especializada em luto apresentou sua própria perspectiva enquanto profissional da área. Apesar de não acompanhar a Marvel ativamente, a especialista foi surpreendida pelo que encontrou e conectou a série a sua experiência profissional e teórica.
A psicóloga não foi a única a perceber as semelhanças entre sua área de especialidade e o enredo da série. Alguns exemplos estão nos prints de comentários no Twitter logo abaixo e, também, na história de Ingrid Moraes, que você pode conferir em Alma.
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM Reprodução de: Sebastian Stan Brasil; Yuri Derquian; ana kenobi४ ᱬ|🔆 st4🧣; brendinha; ela é tão galera
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outro jeito de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
O curioso caso do Dr. Steven Strange foi um pouco diferente. A Marvel foi atrás de um astrofísico para trazer a base da magia, mas Adam Frank não conseguiu ver a magia desse universo de ocultismo como algo que não Filosofia. Nas palavras do cientista, a obra, “nos leva além do Ciência do Universo Marvel, mas também para a Filosofia do Universo Marvel”.
Para quem entende inglês, o vídeo a seguir fala por si mesmo, ou melhor, o Dr. Adam Frank fala por sua própria participação.
Adam Frank explica sua participação em “Doutor Estranho”Reprodução: NAExchangee
Agora se a língua norte americana não é uma de suas especialidades, sem problema.
A relação da do astrofísico com a Marvel começou com base em uma amizade antiga e disfuncional entre um cientista ateu com curiosidade sobre o espiritual e um cineasta teísta com grande respeito pela ciência.
Normalmente, a conversa deles seria um comparativo entre o científico e o espiritual, um diálogo acerca dos lugares onde esses dois campos se encontram, se afasta ou se sobrepõe, e terminou que foi exatamente o que o filme precisava. O cientista não encontrou outra forma de formar a base de um filme sobre ocultismo e espiritualidade que não fosse a filosofia.
O cerne da magia terminou sendo então a consciência. Segundo o físico, ele poderia ter usado a medicina e a atividade neurológica para explicar o ocorrido, mas não lhe pareceu adequado e não honraria os personagens.
“A ciência atual não tem controle sobre a experiência pessoal interna que temos, e ele [Chalmers] estava certo. Não temos uma ciência da consciência, temos coisas incríveis que estamos fazendo com a neurociência, mas, novamente, aquela experiência pessoal de ser, ainda é uma questão filosófica. Então a coisa mais importante sobre Doutor Estranho é que você pode usar aquele território aberto e ilimitado sobre a natureza da consciência para encaixar o personagem neste incrível universo de ciência que a Marvel construiu tão cuidadosamente”.
(Dr. Adam Frank)
Para o Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Sandro Luiz Modesto, os blockbusters “são possibilidades para desenvolver pensar crítico sobre a realidade”. Professor de filosofia há 19 anos, Sandro constantemente traz material POP para suas aulas como apoio didático. Para ele, obras como as da Marvel têm sim impacto sobre as mentes de quem as consome: “a sociedade em geral, mesmo que interessada somente na diversão e entretenimento, pode inconscientemente ‘captar’ aspectos importantes desses filmes, que afetam sua individualidade e sua consciência social”.
Sobre Doutor Estranho, ele admite que nunca havia parado para analisar a perspectiva da consciência. Porém, quando incentivado a procurar, chegou à conclusão de que “a primeira ideia filosófica é a integração profunda mente-corpo. Parte da tradição filosófica criou um dualismo psicofísico. O filme mostra a superação desta ideia em vários momentos”. Com isso, temos um filósofo percebendo no filme em questão uma teoria sobre a qual ela se firmou e reconhecendo que poderia usar isso em salas de aula, mas há mais.
O professor também percebe na cena em que a anciã expulsa a “consciência” de Stange de seu corpo, a crença cientifica na qual a mente racional é o principal, ela controla a matéria e, até certo ponto, é livre de suas amarras. “Na raiz da existência, mente e matéria se encontram”, completa.
Para além disso, pensando no contexto geral do Universo Marvel, Sandro não pode deixar de citar algumas outras questões de natureza antropológica, presentes em nosso cotidiano, como “o mito do herói (em todos os filmes), questões de ciência e tecnologia (‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Era de Ultron’), questões geopolíticas (‘Capitão América’ / ‘Homem de Ferro’ / ‘Vingadores: Guerra Infinita’)”.
“(A cultura POP) Causa impacto, mas não necessariamente positivo. O debate acerca deste tema merece um estudo a parte, mais prolongado. Por exemplo, o impacto da ideologia imperialista norte-americana via cinema, quadrinhos, séries, músicas, etc pode impactar as pessoas ao aliená-las. A mediação do professor, nesse caso pode causar um impacto diferente ao contribuir com um “outro olhar” sobre a mídia ou provocar a reflexão acerca do “texto”. Impactar significa fazer a experiência estética vinculada à criticidade, se divertir, pensar e iniciar pequenas revoluções cotidianas.”
Prof. Sandro Luiz Modesto
Nos comentários abaixo, alguns exemplos mais tangíveis de como a filosofia presente na obra pode se infiltrar na vida de pessoas tão reais quanto você e eu:
Comentários no Twitter sobre a ciêcia no UCM
Reprodução de: carol ✨; helen | 📖: ?; Bróbs; lívia 🕰⧗; GnomoP
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								Alguns heróis e heroínas apresentados na Fase 4 do UCM:
Yelena Belova (nova Viúva Negra) – Reprodução de: Trecobox; Sam Wilson (novo Capitão América) – Reprodução de: Cine POP
Shang Chi – Reprodução de: Disney Plus Brasil; Kate Bishop (nova Gaviã Arqueira) – Reprodução de: Terra
Steven Grant/Marc Spector (Cavaleiro da Lua) – Reprodução de: CNN Brasil; Layla El-Faouly (Escaravelho Escarlate) – Reprodução de: Omelete;
América Chavez – Reprodução de: Universo Heroico; Kamala Khan (Ms. Marvel) – Reprodução de: Portal POPline;
Jane Foster (Poderosa Thor) – Reprodução de: Marvel 616; Jennifer Walters (Mulher Hulk) – Reprodução de: Tribuna Hoje;
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
A perspectiva de realidade científica talvez seja um pouco mais fácil de ser assimilada no tema proposto do que a social. São super-heróis, o tipo de vida que vivem, suas verdades, seus laços e suas rotinas podem parecer muito longe da perspectiva cotidiana. No entanto, eles ainda vivem no mesmo mundo que nós (ao menos essa é a proposta na maior parte do tempo), então é lógico pensar que a sociedade deles reflete a nossa.
Algumas realidades sociais e ideológicas que fazem parte do dia a dia fora das telas, assim como situações rotineiras (sejam elas boas ou ruins), sempre terminam arrumando algum lugar na ficção. Mesmo quando ela se desenvolve em um universo à parte, onde o impossível se torna possível, as mazelas sociais ainda são uma constante: desigualdade, preconceito, injustiça contra as minorias e o interesse político que não favorece ninguém de fato.
Não apenas fatos, mas mudanças e esperanças também estão presentes, acompanhando as tendências e o que se espera do futuro: mais justo, igualitário e diverso. Isso está em uma fase quatro que se constrói majoritariamente sobre o poder feminino, trazendo uma nova geração superpoderosa que não apenas é, em grande maioria, feminina, mas também etnicamente diversa, conversando com o conceito de diversidade de gênero e com a fuga do estereótipo da perfeição estética.
								
								
								
								
								
								
								
								
								
								
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema
“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.
“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Discurso político de Sam Wilson, o novo Capitão América (“Falcão e o Soldado Invernal”, 2021)Reprodução: Senhor do Tempo
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Mas, novamente, vamos em partes. Em “Falcão e o Soldado Invernal”, segunda obra do UCM lançada no formato seriado pela plataforma do Disney +, no ano de 2021, temos uma série de mudanças e novas perspectivas. Em uma entrevista para o documentário “Avante” (“Assembled”, 2021), Kari Skogland, diretora e produtora executiva da obra, disse que a ideia sempre foi trazer algo com os pés no chão, bem longe da batalha entre mundos e tempos que o estúdio ofereceu em Ultimato.
															Poster de “Falcão e o Soldado Invernal“Reprodução: Adoro Cinema

“O desafio aqui era trazer tudo para um personagem mais assimilável, mais pé no chão, para que o lado super disso fosse integrado ao personagem e também integrado a um mundo muito real. Era muito importante para mim, e acho que para todos, explorar o que significa ser um herói no mundo de hoje. Se no passado, ser um herói no MCU era muito relacionado a ser um soldado ou um guerreiro, esse novo herói não é isso. O novo herói é, na verdade, um socorrista”
Kari Skogland
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: Net Worth Roll
No mesmo documentário, o roteirista chefe, Malcom Spellman, e o co-produtor executivo, Nate Moore, falam sobre como, em suas próprias perspectivas, não conseguiriam achar justo, com o personagem ou com a história humana, um universo onde um homem negro aceita carregar um escudo que representa os Estados Unidos sem passar por um longo arco de evolução e dúvida. Isso porque o legado racial no país é extremamente pesado e o racismo foi, e continua sendo, um grande fardo para a nação.

“A questão de explorar o que a negritude significa na América era meio que a hipótese da série”
Nate Moore
Reprodução da fala de: “Avante“
Reprodução da imagem de: The Movie Database
Isso é explorado em mais de um momento ao longo dos seis episódios. Está no fato de uma viatura com dois policiais brancos, cercando os protagonistas poque viram Sam brigando com Bucky e acharam que o segundo precisava de proteção. E está na trágica história de Isaiah Bradley, um soldado negro que foi usado como cobaia em um experimento de super soldados, sem nem ao menos saber o que estava sendo feito de seu corpo. Ele foi um herói para seu país, salvou seus companheiros, mas em vez de ser transformado em um herói foi trancafiado em uma cela e usado para experimentação científica.
A primeira parte é mais fácil de assimilar, a violência policial de natureza racista não é nenhuma novidade (nem nos Estados Unidos e nem no Brasil), é um cenário comum em filmes e noticiários, já a segunda, nem tanto. Até onde se sabe, não existem super soldados no mundo real.Fato. Mas também é um fato que seria muito difícil os Estados Unidos se deixarem representar por um homem negro, principalmente nos anos 1950 e, desnecessário dizer, a natureza humana às vezes falha no quesito humanidade.

“Nunca vão deixar um homem negro ser o Capitão América, e mesmo que deixem, nenhum negro que se respeite aceitaria ser”
Isaiah Bradley
Reprodução de: “Falcão e o Soldado Invernal“
No entanto, e indo muito além da questão racial, a série é toda desenvolvida ao redor de uma trama política muito forte. Em uma explicação breve, a história se passa logo após o segundo “blip” (o estalar de dedos que trouxe metade do universo de volta a vida depois que Thanos excluiu essas formas de vida da existência), em um mundo que mal havia se adequado ao sumiço repentino de 3,5 bilhões de pessoas e que já se via na difícil situação de ter que remodelar tudo novamente.
Com o sumiço de metade da população, as casas que ficaram vazias foram ocupadas por outras pessoas, assim como cargos políticos e trabalhos, as fronteiras do mundo foram completamente refeitas e do caos que se instalou uma certa paz foi alcançada. O resultado foi bilhões sem ter onde morar ou trabalhar e um problema de política pública no qual os que sobraram se espalharam pelo mundo, ignorando fronteiras e culturas e reaprendendo a viver e isso também teria de ser corrigido.
Então criaram-se dois lados: o da política, que não pensava no bem do povo ao planejar o que fazer a seguir, sendo que queriam refazer as fronteiras e voltar ao que era antes do primeiro “blip”; e o do povo, que não queria ser obrigado a abandonar suas casas e a vida que conquistaram em outros países. Os governos não ouviam e a população tinha algo a dizer, surgiram então os Apátridas, um grupo radical que tinha o tema “um mundo, um povo” que fez justiça com as próprias mãos de todas as formas pelas quais um super soldado, ou dez, poderiam fazer.
															Símbolo dos ApátridasReprodução: Cosmo Nerd
A incompetência e o desrespeito político para com o povo são algumas características da nossa realidade cotidiana, pode-se dizer. Na série, Sam (o Falcão) fala que “sempre que algo fica melhor para um grupo, fica pior para outro” e resume bem o que vemos com a política, seja na ficção ou no mundo real. Quando os políticos ganham, em geral o povo perde, quando os ricos ficam mais ricos, em geral os pobres ficam mais pobres, quando metade do universo some, a metade que sobrou tem mais vagas de emprego, mais moradia e mais oportunidades.
Quando o povo se sente em segundo plano ou injustiçado e, principalmente, quando há um grupo mais poderoso, que incorpora as necessidades de todos e se propõe a lutar por isso, se forma tudo para um movimento popular. Se vê isso em manifestações contra a violência policial de natureza racista, em passeatas a favor ou contra um certo político, em grupos que resolvem fazer a justiça com a próprias mãos e, em maior e mais terrível escala, em um homem que resolveu se levantar pela Alemanha e incrementar um regime que matou milhões, e tudo com o apoio de uma parte da população que se sentia invisível e vitimizada.
Há ainda muitos exemplos da realidade política e social que se infiltrou nessa série que é, de fato, um dos trabalhos mais “pé no chão” da Marvel. Os heróis aqui não lutam contra alienígenas, robôs com inteligência artificial ou algo muito fora do nosso universo, mas com um grupo de adolescentes que só queria um mundo melhor para todos e que se perderam no caminho. Lutam também com seus próprios demônios e mesmo contra o sistem.
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.
“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Um único trabalho não é o bastante para constituir um padrão, por mais bem feito que tenha sido, então chegou a hora de falar de “Capitão América: Guerra Civil” (“Capitain American: Civil War”, 2016). O filme foi um grande momento para os fãs do estúdio, a adaptação de um dos melhores e mais emocionantes arcos dos quadrinhos, a primeira aparição do Homem Aranha e do Pantera Negra e a grande disputa ideológica entre Capitão América e Homem de Ferro.
															É nesta disputa que se encontra o que se pode chamar de metáfora política. Em uma breve contextualização, a briga começa por causa de uma jogada política para que os heróis do mundo passassem de uma organização independente e privada, para uma espécie de órgão público, controlado pelo Estado: os Acordos de Sokóvia. Resumindo: Tony Stark era a favor e Steve Rogers era contra e assim os Vingadores estavam separados.
Talvez você, que está lendo, possa estar se perguntando: onde está a metáfora aqui? Para começar, pode-se tratar a questão de qual o papel do governo ou, melhor dizendo, qual o nível de interferência política que deve o Estado deve ter sobre uma empresa, no caso, sobre os Vingadores.
Recentemente, o Brasil passou, na verdade ainda passa, por uma discussão semelhante com os debates sobre privatização de organizações públicas como os Correios e, em uma análise política, podemos estabelecer um paralelo com as discussões que diferem a Esquerda da Direita.
Nas eleições de 2018, um ponto importante que diferenciava as campanhas dos dois candidatos que foram para o segundo turno foi a questão da privatização: para o candidato da direita (Bolsonaro) o ideal era a privatização, diminuiria os gastos públicos e melhoraria o serviço, enquanto para o candidato da esquerda (Haddad), a interferência do governo era o melhor para o povo por garantir o melhor custo-benefício para todos.
Em Guerra Civil, o Capitão América, contra a estatização dos Vingadores, representaria ideias mais próximos da direita por acreditar que eles têm que ser responsáveis pelo que fazem e que precisam estar onde são necessários, quando necessários, em vez de agir quando mandados. Ele pondera que o governo nem sempre toma as melhores decisões e que pode se tornar corrupto e, por tanto, tem de ter um papel limitado sobre as ações dos heróis.
Já o Homem de Ferro quer se livrar do peso da culpa pelo que aconteceu com Ultron e acha que, se forem mandados pelo governo, suas ações serão melhor administradas e terão menos vítimas, além de se tornarem responsabilidade de outros. O maior envolvimento do poder político é, de forma simplificada, uma das bases de sustentação da esquerda.
No vídeo que segue, o Prof. Me. Agnelo de Souza Fedel compara a trama do filme à teoria Liberalista, tão presente na política estadunidense, desenvolvendo a questão: devemos ou não ser controlados e, se sim, como ficam os direitos individuais?
Em uma entrevista de divulgação, Anthony e Joe Russo, diretores do filme, explicaram que a proposta inicial não era refletir diretamente o mundo real, com seus eventos e momentos específicos, mas o contexto político ainda era um ponto que queriam tratar. A proposta nunca foi falar quem estava certo e quem estava errado ou oferecer um ponto de vista no qual se apoiar, mas apenas fazer refletir sobre questões que regem a vida cotidiana, já que ninguém foge da política ou, melhor dizendo, de suas consequências.

“São perguntas sem resposta. Certamente não queremos fornecer nenhuma resposta no filme. E Cap e Tony – você poderia dizer com certeza que eles representam diferentes pontos de vista políticos [sobre] … a questão da segurança versus liberdade individual”
Joe Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Moviefit.
Outro ponto que os diretores escolheram trabalhar e conseguiram visualizar foi a questão do medo. A política pública de cada país segue uma linha própria, mas ninguém gosta quando um grupo de estrangeiros chega e faz o que quiser. Um exemplo mais distante disso, mas ainda cabível, é a recepção de estudantes em cidades universitárias.
Em 2018, um aluno da Universidade Federal de São João del-Rei danificou uma escultura tombada como patrimônio histórico e isso trouxe à tona uma antiga rixa da cidade contra universitários. Em muitas críticas, o estudante era colocado no papel de alguém de fora que vinha para causar confusão e desrespeitar a cidade.
A dimensão aumenta quando se trata de pessoas superpoderosas (no sentido de terem superpoderes literais). Na verdade, a dimensão é diretamente proporcional à quantidade de dano que se causa e inversamente proporcional ao tempo. Os Vingadores, apesar das melhores intenções, foram direta ou indiretamente responsáveis por uma quantidade incontável de dinheiro gasto para reparar danos e por milhões de vidas perdidas, tudo em pequenos espaços de tempo.

“Acho que o mais específico que obtemos da política do mundo real neste filme é que correlacionamos superpoderes e super-heróis com a ideia de que se você for aonde quiser no mundo e se fizer o que quiser quando for vá lá … você vai criar uma resistência contra o uso do poder lá […] Porque você está usando o poder, alguém vai se sentir impotente. E vai haver uma reação”
Anthony Russo
Reprodução da fala de: The Washington Post
Reprodução da imagem de: Urso.tv
Nessa linha, seguem outras dezenas de exemplos que, apesar de não serem óbvios em um primeiro instante, são “pescados” nas redes do subconsciente. Também se tornam algo maior e mais estruturado a cada vez que o filme é revisto e a cada entrevista, reportagem ou documentário que aparece no decorrer da vida. Talvez nenhum conhecimento social, científico ou de qualquer outra natureza seja concreto ou totalmente verossímil dentro das telas, mas todos eles fazem refletir o mundo real através do mundo dos heróis.
O professor de história Arthur Gibson Pereira Pinto adere a está ideia. Foi difícil encaixá-lo, já que sua vida, suas produções acadêmicas e suas ideias se enquadram tão bem aqui quanto em Mente, mas no fim, pareceu ideal colocá-lo aqui. Ele não apenas vê a realidade (ou sua ausência) nos filmes, mas também vê as possibilidades por trás dela.
Dar aulas lhe rendeu uma intrínseca conexão com o mundo POP, o mundo de seus alunos. Consequentemente, a Marvel se tornou parte de seu cotidiano, retornando um hábito de sua infância, o incrementando e transformando para encaixá-lo não a sua vida, mas a sua didática.
De acordo com ele, o método consegue engajar seus alunos ao currículo da matéria que leciona e isso criou algo novo. No vídeo a seguir está a entrevista completa:
Tanto onde existe realidade quanto onde não existe, seja nas batalhas diárias dos humanos por trás dos heróis, seja nas fantasias e nos grandes vilões ou mesmo em comparativos que são feitos sem que sequer se note, há inspiração.
A JORNADA CONTINUA EM